O novo-artista: lava, passa, cozinha e ainda faz arte

Recentemente fui a uma defesa de tese de Mestrado de uma antiga amiga, com quem trabalhei há mais de 10 anos. Eu e Maria Elisa Medeiros atuamos juntas no montagem teatral "Hilda Furacão", adaptada do texto de Fernando Drummond, com direção de Marcelo Andraade. Foi uma montagem grandiosa que deu muito pano pra manga, principalmente porque foi feita com um orçamento gigante até mesmo para os dias de hoje, quase 1 milhão de reais. Naquela época nós éramos apenas duas estudantes, mas já trabalhávamos profissionalmente como bailarinas. Eu e Maria Elisa continuamos nos vendo depois do fim da produção, mas não tanto quanto gostaríamos, e portanto, as atualizações sobre a vida de cada uma não eram as mais completas possíveis. Eis que há um tempo atrás descubro que nós duas continuávamos trabalhando na área da Cultura, mas com temáticas diferentes, e ao mesmo tempo complementares.


Maria Elisa fez Mestrado em Administração Pública na Fundação João Pinheiro - Governo de Minas, e sua tese teve como tema "O Financiamento da Cultura no Estado de Minas Gerais: Uma Análise da Lei Estadual de Incentivo à Cultura 1998-2008 e do Fundo Estadual de Cultura 2006-2008". O trabalho, como destaca o próprio título, analisa os dois mecanismos de financiamento à Cultura do Estado de Minas nos anos em que estiveram em vigor.


O interessante da tese é que Maria Elisa utiliza dois conceitos: descentralização e desconcentração para realizar sua análise do ponto de vista da distribuição de recursos dos dois mecanismos. Na apresentação abaixo você conseguirá entender um pouco melhor o que cada um significa, e o que Maria Elisa descobriu analisando os arquivos e históricos de cada um dos anos.


Os méritos da pesquisa são vários e óbvios, pois colocar luz sobre a questão do financiamento público é de grande importância para nós que trabalhamos com arte e cultura, mas prefiro destacar aqui uma outra questão: a importância de termos artistas entendendo de assuntos diversos que lhes dizem respeito e lidando com questões estratégicas para os próprios artistas. Maria Elisa é bailarina e atriz por formação (Artes Cênicas - UFMG) e se interessou pela Administração Pública, (Fundação João PInheiro), mas é também formada em Relações Internacionais (Centro Universitário UNA) e tem pós-graduação em Gestão de Projetos (IETEC). Em sua apresentação da tese ela deixou claro que partiu do ponto de vista da sua própria vivência para o estudo, ou seja, sua dificuldade como artista em conseguir recursos para suas produções.

Assim como Maria Elisa se interessou pela tema da gestão pública, precisamos ter artistas discutindo outras questões importantes para os próprios artistas. Já não existe mais, ou pelo menos para a grande maioria de nós, aquela imagem do artista que fica alheio a tudo que acontece à sua volta, apenas se dedicando aos fazer artístico. Aquele artista que não sabe lidar com dinheiro, que não consegue se planejar e pensar adiante. Infelizmente, ou felizmente, os tempos são outros e nós temos sim que nos envolver em questões como financiamento, formação, comunicação, planejamento, sustentabilidade, entre várias outras, se quisermos continuar fazendo o que tanto gostamos: arte.

Essa semana acompanhei o Seminário Música e Movimento, do Conexão Vivo, através da Inernet e curti muito as colocações feitas pelo músico e compositor Romulo Fróes e seguidos por comentários duros e diretos do Carlos Eduardo Miranda, produtor musical e jurado de programas de TV. A palestra era "Pop x Popular – superando a dicotomia". Em suas proposições eles deixam claro que não existe mais essa figura do músico que não se envolve em outras questões  que não apenas tocar. O músico agora toca, mas também sabe gravar, sabe mixar, sabe comunicar e utilizar a Internet para divulgação de seus trabalhos.

Rômulo citou o momento em que chegou a Belo Horizonte, entrou no táxi e pediu ao motorista que seguisse determinado trajeto em função de tarefas que teria que relizar para o seu show. O motorista então se disse impressionado, pois pensou que o artista precisasse meditar e se concentrar antes de tocar, e não realizar tarefas cotidianas de produção. Rômulo completou: "Não sei qual foi a última vez que me concentrei"...

Brincadeiras à parte, por vontade ou necessidade, o novo-artista agora tem que se especializar, seja em um Mestrado em Administração Pública, seja em como utilizar o Twitter, ou descobrindo como gravar e mixar seu próprio disco com pouca grana se quiser emprender seu próprio trabalho.


Rafaela Cappai 

Imagem: Malabarismo Espacial by José Bogado